Patrimônio de afetação: Entendendo a “blindagem” da incorporação imobiliária
Na compra de
um imóvel na planta os consumidores são apresentados a todas as qualidades do
empreendimento: preço, localização, qualidade da obra, prazo, reputação da
construtora, renome da incorporadora, sociedade de propósito específico,
patrimônio de afetação... “Espere ai”, muitos dirão. “Até a parte da
construtora eu entendi, o que não consigo é fazer a diferenciação da
incorporadora, bem como desconheço as sociedades de propósito específico e
nunca ouvi falar desse tal patrimônio de afetação”.
Pois bem, a
construtora é a responsável pela realização da obra civil do empreendimento, já
a incorporador(a) é a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não,
compromisse ou faça a venda de unidades autônomas (apartamentos, salas
comerciais, quartos de hotéis) em edificações a serem construídas ou em
construção sob regime condominial.
As sociedades
de propósito específico, comumente conhecidas como SPEs, são pessoas jurídicas
que possuem um objeto social determinado, constituídas com uma finalidade
própria, que, no caso do mercado imobiliário, tem como intuito o
desenvolvimento de um único empreendimento como forma de isolar o risco
financeiro da atividade realizada. Por ser uma empresa que possui vida curta,
diminui as chances de contaminação financeira por outros problemas não
relacionados à obra em si, mas não exime o comprador dos riscos de uma falência
ou insolvência civil do incorporador, quando os bens deverão ser arrecadados à
massa falida para atendimento aos credores, conforme ordem de preferência.
Por último
temos o ainda desconhecido Patrimônio de Afetação (PAF). É possível que seja
esclarecido ao comprador que o patrimônio de afetação separa a obra do restante
do patrimônio do incorporador. E muitas vezes a explicação se encerra ai, ou
seja, privando os compradores de informações valiosas, tanto com relação à
segurança quanto aos riscos a que estará submetido ao adquirir um imóvel cujo
empreendimento esteja submetido ao patrimônio de afetação.
Um pouco do histórico:
a afetação patrimonial na incorporação imobiliária foi introduzida no Direito
brasileiro pela Medida Provisória nº 2.221, de 04 de setembro de 2001,
conferindo direitos aos promitentes compradores de imóveis em edifícios em
construção no para aperfeiçoar as relações jurídicas e econômicas entre esses
adquirentes, o incorporador e o agente financiador da obra e, principalmente,
para resgatar a confiança dos consumidores no mercado imobiliário, abalado por
grave crise desencadeada pela decretação da falência da Encol S/A. Engenharia,
Indústria e Comércio, em março de 1999.
De forma
bastante sucinta, a Encol captava recursos para uma obra e, no entanto, ao
invés de utilizá-los para concluir o empreendimento, destinava a novas
construções, acarretando em um ciclo ineficiente, visto que os recursos foram
esgotados sem que as edificações fossem terminadas, deixando cerca de 42 mil
compradores afetados.
A afetação do
patrimônio de determinado empreendimento o aparta do patrimônio do
incorporador, de forma que ele não responderá por demais dívidas, o que
pretendia evitar o efeito “cadeia” em que o valor primariamente destinado para
construção de um empreendimento fosse utilizado em outros, o que fazia com que
o capital não fosse suficiente para suportar os dois, ou mais empreendimentos.
Em 2004 foi
publicada a Lei 10.031 que revogou a citada Medida Provisória e acrescentou à
Lei de incorporações, nº 4.591/1964, o capítulo “Do Patrimônio de Afetação”,
artigos 31-A a 31-F, que confere maior segurança aos compradores, visto que,
dentre outros motivos, possibilita que os condôminos prossigam com as obras
quando da falência ou insolvência civil do incorporador, sem que o terreno e as
suas acessões sejam arrecadadas à massa falida.
Essa medida
beneficia os consumidores, que receberam mais uma forma de proteção ao seu
investimento, somada às garantias já conferidas pela Lei de Incorporações e
pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor, além de ser reconhecido na
Lei de Recuperação de Empresas, nº 11.101/2005.
Ocorre que a
citada alteração foi inserida como prerrogativa do incorporador, ou seja, a
constituição do patrimônio de afetação não é obrigatória, o que faz
com que ele seja pouco utilizado pelos incorporadores, pois, dentre os
procedimentos, estão a disponibilização das contas do empreendimento à
fiscalização da Comissão de Representantes dos Condôminos, assim como da
eventual instituição financiadora e até de um auditor escolhido pelas partes.
Ao optar pelo
PAF o empreendimento fica submetido a um Regime Especial de Tributação, chamado
RET, pelo qual o incorporador pagará os tributos de forma reduzida, podendo ser
de 4% a 1% da receita mensal recebida, o que representa uma quantidade
relevante de recursos, dependendo da situação fiscal da sociedade. Todavia, a
opção pelo PAF faz com que o incorporador não possa dispor dos valores
recebidos que sejam necessários à conclusão da obra, o que se torna um
desencorajador a adesão.
Um ponto
relevante que poucos estão cientes é que, no caso de empreendimentos submetidos
ao PAF, em caso de falência do incorporador, os condôminos poderão deliberar
pela continuidade da obra, quando terão a responsabilidade de arcar com os
débitos tributários, previdenciários e trabalhistas vinculadas ao respectivo
patrimônio de afetação em até um ano após a deliberação pela continuidade da
obra ou até a data do habite-se, o que ocorrer primeiro.
Isso
significa que, além de ter que arcar com o pagamento do preço a que havia se
proposto, pode ser que o comprador tenha que arcar com maiores valores que o
previsto para tentar salvar seu patrimônio de ser arrebatado à massa falida e
concorrer com os credores à devolução de seu investimento.
A utilização
de sociedades de propósito específico como veículos do desenvolvimento de
empreendimentos imobiliários e a adesão ao patrimônio de afetação podem
propiciar a chamada “blindagem” ao consumidor, contudo, não é desprovida de
riscos. O comprador deve redobrar seus cuidados na aquisição de imóveis na
planta.
Não entenda
o(a) incorporador(a) como seu inimigo. Ele(a) não é. Ocorre que empreender no
mercado da construção civil é uma atividade para quem possui conhecimento,
entende o mercado e se empenha nas boas práticas. Para aqueles que não têm
essas características, os riscos são ainda maiores. Atrasos e até interrupção
permanente nas obras podem acontecer, arrastando junto com os desenvolvedores
os sonhos de várias pessoas, na esteira de um grande problema econômico.
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Diário Imobiliário
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