Stalking e suas implicações jurídicas


O termo stalking é relativamente recente no Brasil. Sendo uma figura bastante subestimada no nosso ordenamento jurídico e na nossa cultura social, o stalker é aquele que chamamos de "perseguidor", em sua tradução mais fiel.


O termo tem origem no verbo to stalk, que em inglês significa perseguir, ficar à espreita, e é o nome dado a uma vigilância exacerbada que uma pessoa exerce sobre a outra, podendo variar em intensidade e em grau de contato com a vítima.

Esse termo começou a ser usado no final da década de 80 para descrever a perseguição insistente a celebridades. O Estado norte-americano da Califórnia, nos Estados Unidos, adotou a primeira medida contra a prática em 1990, sendo seguido pelo restante do país, bem como pelo Canadá, Austrália, Reino Unido e outros países europeus.

Desde então, o comportamento do stalker vem sendo pauta de estudo de psicólogos, psiquiatras, e até juristas, e suas atitudes passaram a ser vistas como potencialmente perigosas em diferentes níveis.

Não se trata de uma prática claramente definida, além de que as formas de se exercer o stalking variam muito, o que dificulta sua regulamentação jurídica, mas em alguns casos a prática chega a causar transtornos de ordem grave às vítimas, por vezes culminando em agressões físicas.

Provavelmente todos que estão lendo este texto já ouviram falar em stalker de uma forma quase carinhosa, especialmente quando se refere às redes sociais. Perseguir alguém pelas redes sociais para saber onde está, o que está fazendo e com quem é uma prática que nos é socialmente vista como aceitável. Todavia, existe um limiar entre a curiosidade natural do ser humano e a perseguição patológica. Stalking é uma patologia e uma de suas principais características é a repetição, a insistência.

A vítima se vê coagida pelas condutas reiteradas do stalker, como o envio insistente de mensagens eletrônicas, bilhetes, SMS, presentes, telefonemas, a permanência em locais comuns ou de rotina da vítima, etc.

De acordo com alguns especialistas, as causas desse desejo de perseguir ainda não são muito claras, mas existem estudos empíricos apontando para a incapacidade ou dificuldade de lidar com as perdas e frustrações da infância e da idade adulta (fonte).
O que se sabe é que, diante de uma recusa da parte contrária, ou movido pelo desejo de proximidade, um stalker desenvolve uma habilidade incomparável para "elaborar estratégias repetidas e indesejáveis só para manter contato: suas ações são tão exageradas (telefonemas e mensagens numerosas e incansáveis, por exemplo) que fazem com que a vítima sinta medo e angústia". (Fonte)
Configurar o stalking é uma tarefa difícil, primeiramente por causa da diversidade de condutas dos stalkers, e segundo porque muitas de suas práticas podem ser consideradas pela sociedade de forma geral como sendo inofensivas, como, por exemplo, o envio de flores, cartões e mensagens de cunho romântico.

Todavia, é preciso se ater à vontade expressa da vítima. Se a vítima já deixou claro que não deseja estabelecer essa forma de relação e o stalker insiste, o que se vislumbra não é um cortejo, e sim um assédio à vítima.

Não obstante, é necessário se frisar que as condutas do stalker podem alcançar diversos graus de intensidade, desde uma perseguição à distância ou exclusivamente por redes sociais, até uma reiterada tentativa do agressor em manter ou restabelecer uma relação indesejada com a vítima. 

Não é incomum que o stalker seja alguém próximo da vítima, sendo que, em sua maioria, as vítimas são mulheres e seu perseguidor comumente é a figura de um ex-namorado ou amante rejeitado (Fonte).

Implicações Jurídicas

No ordenamento jurídico pátrio esse tipo de perseguição não é tipificado como crime, e sim como uma contravenção penal (também conhecida como crime anão).

Nos termos do art. 65 da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei n. 3.668/41):

Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa (...)
Entretanto, existem outros dispositivos legais no ordenamento jurídico brasileiro capazes de oferecer tutela contra o stalking.

Um deles é o direito constitucional à privacidade. Conforme dispõe o art. 5o, X, da Constituição Federal de 1988:

Art. 5o, X -  São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
A vítima de stalking pode lançar mão desse preceito constitucional caso haja invasão de sua privacidade de qualquer forma. É aconselhável que a vítima se atente às suas configurações em redes sociais para que somente as pessoas próximas vejam suas atividades e publicações, evitando, assim, que o stalker saiba detalhes da vida privada da vítima. Contudo, como já dito anteriormente, é comum que o stalker seja uma figura próxima da vítima, como um amigo ou mesmo um ex-parceiro romântico rejeitado.

Nesse caso, não é incomum que o stalker ameace e chantageie a vítima com fotos e mensagens de conteúdo íntimo e até sexual para manter contato com esta. Vale lembrar que o stalker não pode expor aspectos da vida privada da vítima sem o seu consentimento, o que contraria e viola seu direito à privacidade.

Não obstante, a vítima também encontra guarida no Marco Civil da internet, que deu especial atenção aos crimes cibernéticos. Vale lembrar que compartilhar vídeos, mensagens ou fotos com conteúdo íntimo ou sexual sem consentimento é crime, bem como compartilhar demais aspectos da vida privada que possam constranger e humilhar a vítima.

Além do aspecto criminal, cumpre salientar que tais condutas também geram efeitos civis, como a reparação de danos morais.

O crime de ameaça também é muito comum no stalking, sendo que o stalker lança mão de uma série de ameaças para manter uma relação com a vítima. Tais ameaças podem abranger amigos e familiares da vítima, a divulgação de conteúdo íntimo, ou até mesmo qualquer outra conduta que possa ser prejudicial à vítima. Mensagens com o cunho intimidativo, com a utilização de expressões como "você vai ver só", "você vai se arrepender", "você não sabe do que eu sou capaz", dentre outras podem configurar o crime de ameaça, tipificado pelo art. 147 do Código Penal, senão vejamos:

Art. 147 – Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave. 
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa

Por fim, cumpre também salientar que, conforme dito anteriormente, é comum que o stalker seja um ex-namorado ou ex-amante da vítima. Em casos em que a vítima seja uma mulher e tenha existido ou exista um relacionamento amoroso entre a vítima e o stalker, seja este último de qualquer gênero, há também a tutela da Lei n. 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha.

Tal lei, ainda que não abranja todas as condutas que possam ser praticadas por um stalker, oferece maior guarida às mulheres vítimas desse fenômeno. Vejamos:

Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

 Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Ademais, em casos extremos o stalking pode culminar em agressões físicas de fato, o que pode tanto incidir no Código Penal quanto na própria Lei Maria da Penha em casos de violência doméstica.

Sendo assim, conclui-se que o stalking é fenômeno ainda recente no Brasil e bastante subestimado, estando suas vítimas sem uma proteção integral contra a prática. Entretanto, existem alguns dispositivos no ordenamento jurídico brasileiro que podem amparar ao menos em parte as vítimas de um stalker. Isso, sem sombra de dúvidas, não reduz a necessidade de maior regulamentação acerca dessa conduta, haja vista ser fenômeno relativamente comum e que muitas vezes acaba por ter resultados graves, como transtornos psicológicos para suas vítimas ou até mesmo agressões físicas.

Nenhum stalker deve ser subestimado. Se você está sendo vítima de stalking, esteja alerta, comunique amigos e parentes próximos para que possam lhe dar suporte, evite andar sozinho, especialmente em locais pouco movimentados, e, se necessário, não hesite em comunicar as autoridades policiais.







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