Linhas Gerais da Justa Causa Por Culpa do Empregado
Fonte (foto)
Ana Paula Guimarães
Advogada Trabalhista.
Graduada em Direito pela UNESP, atuante na cidade de São Paulo.
Se você está aqui,
lendo este artigo, talvez você, ou mesmo um(a) conhecido(a), esteja passando
por um grave problema, temendo a perda de vários direitos e garantias no caso
de uma dispensa por justa causa. Ou talvez seja um patrão, que acabou de
descobrir a falta grave cometida por alguém de seu pessoal, mas não tem certeza
de como pode agir.
Mas antes, é preciso
dizer que “justa causa” é um tema bastante longo. Ocorre quando há quebra de
confiança entre empregador e empregado, derivada de uma falta tão grave que não
permite que o contrato de trabalho continue, podendo ser cometida tanto pelo
empregado (CLT, art. 482), quanto pelo empregador (“rescisão indireta” - CLT,
art. 483).
Contudo, neste texto,
nos preocuparemos em comentar apenas alguns aspectos práticos da “justa causa do empregado”, citando, por
fim, e de forma breve, os requisitos dessa espécie de dispensa, com exemplos da
jurisprudência recente. Por isso, daqui por diante, nos referiremos ao tema do
presente artigo somente como justa causa.
A justa causa deve ser
tratada como ato excepcional no contrato de trabalho. Ela acarreta em
perda de muitos direitos e garantias – sendo uma forma de dispensa bastante
traumática. Para se ter uma noção, na justa causa o empregado só terá direito:
·
saldo de salário;
·
férias vencidas;
·
salário família (se
houver);
Isso sem contar a perda
imediata da assistência médica, conforme o caput do art. 30 da Lei nº 9.656/98
(Lei dos Planos e Seguros Privados de Assistência Médica). Evidente que o
trabalhador sairá bastante prejudicado com esse tipo de dispensa, e é por isso
que a lei limita (e muito) as possibilidades do empregador em poder dispensar
por justa causa.
Hoje é natural que
busquemos ajuda pelos meios digitais (internet) antes mesmo de procurar um profissional
da área. A experiência prática nos mostra que o cliente pesquisou muito (mas
muito mesmo) antes de chegar até nós, advogados,
e já têm, praticamente, toda a estratégia de defesa ou argumentação montada em
sua mente.
Só tem um “porém”
nisso: é problema do patrão provar a falta grave. Frente ao Juiz, é o
patrão quem deve provar a justa causa, por meio de uma “prova robusta”[i], bastante sólida.
Assim, é o patrão, quem
deve estar munido de provas e mais provas, no sentido de demonstrar que agiu
corretamente ao mandar o empregado embora por justa causa. Por isso, não
adianta (e nem precisa) o trabalhador ter grandes estratégias em termos de
prova ou argumentos a serem usados, até porque, tudo depende daquilo que o
empregador alegar em defesa, numa reclamação trabalhista.
Contudo, a experiência
também nos diz que, em sua maioria, o trabalhador, antes de chegar até o
advogado, tentou manter o emprego ou se esquivar de uma punição mais grave
usando aquilo que entendeu ser a melhor forma de estratégia e acabou por “meter
os pés pelas mãos”: reconheceu a “imensa” gravidade de um erro que na verdade
era pequeno; pediu desculpas até por aquilo que nunca fez ou por atribuições
que não eram suas, ou então, passou a “dedurar” outros colegas de trabalho,
deixando a situação ainda pior.
Sabe aquela frase
famosa que vemos nos filmes? “Você tem o direito de ficar calado. Se você
optar por não exercer esse direito, tudo que você disser poderá e será usado
contra você, no tribunal. Você tem direito a um advogado". Pois a frase
ilustra bem a ideia que queremos dar aqui. O empregado não é obrigado a provar
a “própria inocência”, sendo obrigação do patrão a de demonstrar, por meio de
provas aceitas pelo Judiciário, que o erro é tão grave a ponto de quebrar a confiança
das partes.
Por isso, o trabalhador
não é obrigado (e nem deve) assinar o comunicado de dispensa por justa causa,
pois não está obrigado a aceitá-la. E havendo recusa do empregado em assiná-la,
deve o patrão chamar ao menos duas testemunhas (preferencialmente, também
empregados), atestando que o empregado foi sim, comunicado da dispensa e de seu
motivo.
Assim, a sugestão, tanto
para o trabalhador quanto para o patrão, é consultar um advogado especializado,
de confiança, o quanto antes e sem hesitação. Isso ajuda não só a encontrar
soluções conciliatórias sem demandar o Judiciário, como também, ambas as partes
estarão bem aparadas num eventual processo judicial.
É uma pena que a experiência
prática nos mostre que somente quando o conflito está instaurado e, geralmente,
com muitos erros de ambas as partes, é que se busque um advogado.
Por fim, importa dizer
que para avaliar se houve ou não justa causa, absolutamente tudo é levado em
conta. Por exemplo, o passado funcional do empregado, o tempo de serviço, o
nível educacional, a personalidade do trabalhador, as circunstâncias em que o
suposto erro foi cometido (ambiente de muita pressão, acúmulo de tarefas), a
forma como agiu e reagiu o patrão em situações similares anteriores.
E, além de todas essas
circunstâncias, a lei ainda determina mais cinco requisitos indispensáveis a
serem preenchidos pela justa causa, conforme a melhor doutrina e
jurisprudência:
1. PREVISÃO LEGAL (TIPICIDADE):
a falta grave deve ser prevista em lei, ou do contrário, a rescisão será
considerada injusta. Assim, as faltas graves são, estritamente, aquelas
previstas pela legislação trabalhista[ii].
2. IMEDIATIDADE: ocorrida a falta
grave, a invocação da justa causa deve ser dada imediatamente. Não se pode
admitir que o empregador, tendo conhecimento da falta gravíssima praticada pelo
empregado, continue contando normalmente com a prestação de serviços deste
último, sob pena do empregado ser
considerado “perdoado” – o famoso perdão
tácito. Aqui vale uma consideração: é neste requisito que boa parte das
empresas “perdem” ao não afastar, imediatamente, o empregado de seu trabalho
regular, pois se há uma quebra de confiança, ela é imediata.
Claro, ao avaliar a
questão os juízes considerarão o porte da empresa. Grandes empresas, em geral,
demandam procedimentos internos bem mais demorados. Contudo, se não for provado
que a empresa tenha realizado nesse tempo uma investigação contínua, cautelosa
e criteriosa, a justa causa não se configura. Também não é permitido uma
investigação de anos a fio – o lapso temporal deverá ser sempre razoável[iii].
3. DETERMINÂNCIA: a falta grave deve ser
identificada de forma clara, como fator determinante para a dispensa[iv]. É a “gota d’água”.
4. VEDAÇÃO À DUPLA PENALIDADE (NON BIS IN IDEM): o empregado não pode sofrer, pela mesma falta, duas penas diversas, ou
ter a pena anterior, mais branda, substituída por outra, mais rigorosa. Por
exemplo, se diante de uma falta extremamente grave, ainda assim, o empregador
optar somente por uma advertência, não pode mais “trocar” a punição, muito
menos, demitir por justa causa[v].
5. PROPORCIONALIDADE E GRAVIDADE DA FALTA:
esse é o requisito em que os clientes sempre perguntam: “mas eu não tinha
que levar três advertências primeiro, depois uma suspensão e só então a demissão”?
A forma e a gradação
das punições aplicadas, na verdade, varia conforme o tipo de empresa. Bancos
costumam a ser mais inflexíveis quanto a vida financeira de seus empregados.
Restaurantes são bem mais rigorosos com a higiene de seu pessoal. Indústrias
gostam de pontualidade, e por aí vai. Assim, as empresas agem conforme o
regulamento ou o costume interno, de acordo com as atividades exercidas.
O direito do trabalho
se esforça por manter o vínculo empregatício, e por isso as seguintes perguntas
sempre serão feitas: a falta cometida é tão grave assim? Seriam cabíveis
punições mais brandas, proporcionais, que permitiriam ao empregado se redimir e
manter-se no emprego? Tudo isso para tratar a justa causa tal como ela é: um ato
excepcional[vi].
Contudo, existem faltas
tão graves que não se pode esperar do empregador uma atitude leviana, de
“gradação da pena”. Cite-se o exemplo do empregado que furta os equipamentos
fornecidos pelo empregador. Algumas atitudes são inescusáveis[vii].
CONCLUSÃO:
De tudo que expusemos
até aqui, vimos que a legislação trabalhista foi bem rigorosa com relação à
justa causa. Sua configuração é difícil, exigindo uma avaliação bastante
criteriosa: não é qualquer juiz que irá reconhecê-la sem que todas as questões
discutidas até aqui sejam cautelosamente avaliadas, de forma aprofundada, e
sempre de acordo com os melhores ensinamentos e segundo as decisões mais
acertadas sobre o assunto. Isso porque a justa causa é uma forma de dispensa
traumática, danosa tanto no aspecto social quanto moral, extrapolando o
ambiente de trabalho e atingindo terceiros, devendo por isto ser evitada a todo
custo.
Se as circunstâncias ou os requisitos citados acima não forem
preenchidos, então se pode afirmar que não houve justa causa.
Por isso, ao se deparar
com uma situação como esta, as partes envolvidas devem manter a calma e avaliar
bem as circunstâncias. Ao patrão, caberá fazer bom uso do poder disciplinar e
diretivo; ao empregado, fazer uso de meios éticos e regulares para boa
prestação de serviços. E no final, somente se outra saída não restar, demandar
no Judiciário, a fim de ver direitos assegurados, já que a legislação já
demonstrou, com todas as letras, que não poderá tratar a questão com leviandade
ou com menos critérios do que já previamente determinou.
BIBLIOGRAFIA
DELGADO, Maurício
Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015. 14 ed.
BARROS, Alice Monteiro.
Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. 8 ed.
COSTA, Rosânia de Lima.
Rescisões Trabalhistas: Roteiro e Cálculos. São Paulo: Cenofisco Editora, 2013.
3 Ed.
[i] RECURSO ORDINÁRIO DA PRIMEIRA RECLAMADA.
JUSTA CAUSA. Para que se configure a rescisão contratual por justa causa, é
necessário que haja prova robusta
acerca dos fatos caracterizadores do justo motivo e seu efetivo enquadramento
numa das hipóteses previstas no art. 482 da CLT, em virtude da grande repercussão
na vida social e profissional do trabalhador. Assim, em observância ao
princípio da continuidade do contrato de trabalho, o ônus da prova é atribuído
ao empregador, a teor do disposto nos artigos 818 da CLT e 333, I do CPC."
(TRT 02 – RO – Data de Julgamento: 10/11/2015 –
Relatora Juiza Ana Maria Moraes Barbosa Macedo – Acórdão nº 20150996017 – Processo nº 00003216720145020065 A28 - Ano: 2015 - 10ª Turma – Data da
publicação: 01/12/2015). (grifo nosso)
[ii] JUSTA CAUSA. REQUISITOS. É dever do magistrado
apurar e avaliar a dispensa por justa causa com a máxima
cautela e serenidade, incumbindo-lhe, ainda, medir e sopesar, adequadamente, os
fatos que a ensejaram. Assim sendo, impõe-se que sejam verificadas pelo
julgador a tipicidade (enquadramento em uma das hipóteses
descritas no art. 482 da CLT) e a proporcionalidade entre a falta e a sanção
aplicada, sem perder de vista o caráter pedagógico das penas disciplinares, a
imediaticidade da punição, a ausência de perdão tácito e de duplicidade
punitiva. In casu, a justa causa dever ser
revertida, pois caracterizada a duplicidade punitiva. ((TRT da 3.ª Região; Processo: 0000582-08.2013.5.03.0140 RO; Data de
Publicação: 05/11/2014; Disponibilização: 04/11/2014,
DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 167; Órgão Julgador: Segunda Turma; Relator: Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno;
Revisor: Convocada Sabrina de
Faria F.Leao).
[iii] JUSTA CAUSA. IMEDIATIDADE APURAÇÃO. PERDÃO
TÁCITO.
Não há que se falar em falta de imediatidade na conduta da reclamada ou em
perdão tácito, por ser razoável o lapso de 07 dias para a apuração da falta
cometida. Recurso ao qual se nega provimento. (TRT-2 - RO: 00026450220115020076
SP 00026450220115020076 A28, Relator: SERGIO ROBERTO RODRIGUES. Data de
Julgamento: 22/04/2014, 11ª TURMA, Data de Publicação: 29/04/2014).
JUSTA CAUSA. IMEDIATIDADE. INEXISTÊNCIA. PERDÃO
TÁCITO.
Era ônus da ré comprovar que a atuação da autora foi de má fé e incompatível
com normas internas, o que caracterizaria ato de indisciplina, e não de mau
procedimento, como foi enquadrado pela ré. Contudo, não houve juntada do código
de ética da ré proibindo o atendimento de parentes e de compra com o cartão de
outrem. Ainda que houvesse comprovação da incompatibilidade dos atos com as
normas internas, decorreram quatro meses entre o suposto ato faltoso e a
punição, sem haver provas de que nesse período houve procedimento interno de
apuração que justificasse a demora na aplicação da penalidade,
descaracterizando o requisito da imediatidade e configurando perdão tácito. Por
fim, a concessão de aviso prévio indenizado é incompatível com a suposta
dispensa por justa causa. (...) TRT-1 - RO: 1639004620095010082 RJ, Relator:
Volia Bomfim Cassar, Data de Julgamento: 29/04/2013, Sétima Turma, Data de Publicação:
08-05-2013).
[iv] JUSTA CAUSA - DESÍDIA - DESCARACTERIZAÇÃO - A
aplicação da justa causa ao empregado
requer a tipificação clara da conduta penalizada, sendo que, em se tratando de
comportamento desidioso, deve ser demonstrada a prática de ato que se revista
de gravidade suficiente para tornar insustentável a manutenção da relação
empregatícia, pela quebra da fidúcia entre as partes, necessária para a manutenção
desse vínculo, ou a soma de atos que demonstrem o descaso do trabalhador com o
cumprimento de suas obrigações contratadas. Daí porque, não se cogitando de um
ato único e de gravidade tal a impedir a manutenção do vínculo, é necessária a
demonstração não só de um comportamento desleixado no correr do contrato, como
também da reincidência do obreiro nesse proceder, apesar das medidas punitivas
já sofridas. Faltando a prova dessa reincidência atual, não se pode aplicar a justa causa com base apenas nas condutas
anteriores já punidas, sob pena de se permitir a dupla punição pura e simples,
rechaçada pelo Direito, e de se consagrar a quebra da regra da "determinância", a qual impõe que o fato faltoso seja
mesmo o determinante da dispensa. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010482-22.2014.5.03.0094
(RO); Disponibilização: 19/02/2015,
DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 113; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator:Jorge Berg
de Mendonca). (grifo nosso).
[v] JUSTA CAUSA DESCONFIGURADA. NON BIS IN IDEM. DUPLA PENALIDADE PELA MESMA
FALTA.
O empregado não pode ser punido mais de uma vez pela mesma falta, de modo que
aplicada a primeira penalidade exaure-se o poder disciplinar do empregador
acerca daquele fato, tornando-se ineficaz a nova avaliação e punição da mesma
falta para proceder à dispensa com justa causa. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011752-34.2014.5.03.0142 (RO);
Disponibilização: 29/10/2015,
DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 139; Órgão Julgador: Segunda Turma; Redator:Sebastiao
Geraldo de Oliveira).
[vi] JUSTA CAUSA - GRADAÇÃO DA PENA - DOSIMETRIA. A adoção do
princípio da gradação da pena ou dosimetria consiste em aplicar medidas
punitivas em escala crescente e deve ocorrer sempre que possível, a fim de
demonstrar ao empregado a necessidade de se ajustar às regras da empresa. A
medida possui caráter educativo e significa que o empregador deve observar a proporcionalidade entre
a falta cometida e a penalidade aplicada, evitando desproporção ou excesso
injusto, o que não foi observado no caso em tela. A natureza da falta cometida
e o histórico funcional do reclamante não autorizam a aplicação direta da
penalidade máxima, impondo-se, assim, a reversão da dispensa motivada. (TRT da
3.ª Região; PJe: 0010063-59.2014.5.03.0075 (RO);
Disponibilização: 22/02/2016,
DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 165; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator:Marcio
Flavio Salem Vidigal).
[vii] JUSTA CAUSA. PROPORCIONALIDADE. A dispensa
por justa causa caracteriza-se pela ocorrência de
conduta grave, capaz de tornar insustentável a relação jurídica entre as
partes. Por se tratar da pena máxima a ser imposta ao empregado, deve ser
demonstrada a proporcionalidade entre a medida e a falta praticada
pelo empregado. Se a justa causa é proporcional
ao ato, reconhece-se a validade da medida. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0011332-82.2014.5.03.0092
(RO); Disponibilização: 24/11/2015,
DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 281; Órgão Julgador: Terceira Turma; Relator:Cesar
Machado).
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