Descriminalização do Aborto e a Saúde Pública

Descriminalização do aborto: a Saúde Pública
Parte 2



Fonte:olharvirtual.ufrj.br


No capítulo passado tratamos da descriminalização do aborto sob a ótica do Estado laico. Neste capítulo trataremos do tema sob a ótica da Saúde Pública.  Primeiramente, cumpre salientar o que vem a ser o aborto, como é realizado e quais seus riscos, haja vista que muitas pessoas desconhecem tais informações, que certamente devem ser consideradas no debate do tema.


Importante também analisar os dados a respeito do tema, incluindo a quantidade de abortos induzidos clandestinamente que ocorrem anualmente, bem como a quantidade de mortes derivam de tais procedimentos, além de analisar dados internacionais para fim de comparações.
Outrossim, se faz igualmente necessário se avaliar os gastos que o Sistema Único de Saúde já possui com procedimentos abortivos clandestinos e suas complicações, inclusive procedendo à análise crítica com relação ao interesse público, haja vista que se trata de recursos financeiros públicos.
Não obstante, analisaremos as possíveis complicações e riscos de uma gestação. E, por fim, para maior conhecimento a respeito do tema, segue a Cartilha “Aborto e Saúde Pública no Brasil – 20 anos”, emitida pelo Ministério da Saúde, uma das principais fontes deste texto, para quem desejar analisar.
Ressalta-se, de antemão, que este texto busca expor dados a respeito do tema, sendo que me resguardo o direito de maiores análises críticas no último capítulo, no qual trataremos sobre o Direito à Vida e as Garantias Fundamentais da nossa Constituição Pátria.

Sumário: 1. O que é aborto?. 2. Como é feito o aborto?. 3. Qual o risco do aborto?. 4. Dados relevantes sobre o tema.4.1. Números do aborto. 4.2. Número de internações. 4.3.Quem aborta. 5 . Gastos do SUS com abortos clandestinos. 6. Possíveis complicações da gestação. 7.  Cartilha “ Aborto e Saúde Pública no Brasil – 20 anos”, de 2009.

1.  O que é aborto?

Aborto é a interrupção precoce da gravidez, espontânea ou provocada, com a remoção ou expulsão de um embrião (antes de oito ou nove semanas de gestação) ou feto (depois de oito ou nove semanas de gestação), resultando na morte do concepto ou sendo causada por ela. Isso faz cessar toda atividade biológica própria da gestação.
A questão do aborto envolve aspectos morais, éticos, legais e religiosos, cuja avaliação depende da singularidade de cada pessoa. Quando o aborto é induzido por razões médicas, realizado por profissionais capacitados e em boas condições de higiene, é um procedimento seguro. No entanto, quando feito de maneira inadequada, geralmente resulta em graves complicações e inclusive na morte da mulher.  Fala-se em dois tipos de abortos: os espontâneos e os induzidos.
O aborto espontâneo é a expulsão involuntária, casual e não intencional de um embrião ou feto antes de 20 a 22 semanas de gestação. A idade avançada da gestante e a história de abortos espontâneos anteriores são os dois maiores fatores de risco de abortamento. As anomalias cromossômicas do feto ou embrião são a causa mais comum de aborto espontâneo precoce, mas há outras causas possíveis, como doenças vasculares, problemas hormonais, infecções, anomalias uterinas, trauma acidental ou intencional e intoxicações químicas. Um sangramento vaginal intenso poder ser um sinal de abortamento espontâneo.
O aborto induzido, também denominado aborto provocado, é o aborto causado deliberadamente por razões médicas admitidas pela lei ou clandestinamente por pessoas leigas. Pode acontecer pela ingestão de medicamentos ou por meio de métodos mecânicos. Quando o aborto é realizado devido a uma avaliação médica é dito aborto terapêutico. O aborto provocado por qualquer outra motivação é dito aborto eletivo.
No Brasil, atualmente, o aborto pode ser feito legalmente em casos de estupro; quando existe grave risco de vida para a mãe ou quando o feto tenha graves e irreversíveis anomalias físicas (anencefalia, por exemplo), desde que haja o consentimento do pai e atestado de pelo menos dois médicos confirmando a situação.
Importante salientar que o aborto é realizado apenas até a 22ª semana de gestação ou até que o feto tenha 500g. Quando o feto é expulso entre a 22ª e a 37ª semanas de gestação, ele é dito natimorto. Quando ocorre a expulsão do feto após a 37ª semana, mas antes que a gestação tenha se completado, se o feto nasce vivo, fala-se em parto prematuro. (fonte)


2.      Como é feito o aborto?

O aborto pode ser feito por métodos cirúrgicos ou farmacológicos (medicamentosos). Os abortos farmacológicos são feitos por medicações que interrompem a gestação e promovem a expulsão do embrião e só são viáveis no primeiro trimestre da gravidez. Os abortamentos realizados por médicos, nas clínicas ou hospitais, podem ser feitos por sucção (um aparelho de sucção é ligado ao útero da gestante e é feita a sucção do conteúdo uterino), dilatação do colo do útero e posterior extração mecânica do feto, curetagem (raspagem do conteúdo uterino por um instrumento parecido com uma colher, chamado cureta) e injeção salina (a injeção é feita dentro da bolsa amniótica). Algumas vezes o abortamento pode ser realizado através de medicações que inibem o desenvolvimento do feto e, em geral, tem que ser complementado por alguma intervenção cirúrgica. As medicações destinadas a provocar o aborto podem ser administradas por via vaginal ou oral. Muitas mulheres, no entanto, recorrem a métodos caseiros ou a atendimentos em clínicas clandestinas, o que aumenta em muito os riscos de complicações sérias e, às vezes, fatais. O aborto dito cirúrgico consiste na remoção do conteúdo uterino por aspiração e curetagem. Pode ser realizado com anestesia local ou geral, segundo decisão médica. A hospitalização necessária é breve, mesmo se a cirurgia for feita sob anestesia geral. A intervenção deve ser feita no bloco operatório e dura apenas alguns minutos.
A “pílula do dia seguinte” modifica a parede do útero de modo a impedir a implantação do ovo e, neste caso, atua como abortiva quando se concebe que a vida começa na concepção. Também os dispositivos intrauterinos (DIU) tornam o ambiente uterino inóspito para a implantação do embrião e são também, segundo essa mesma concepção, abortivos.
A droga RU-486 induz o aborto, até ao segundo mês de gestação, bloqueando a produção de progesterona. Sem este hormônio, o feto não obtém a nutrição adequada e não consegue sobreviver. Além do abortamento, ela produz, como efeitos secundários, náuseas, cãibras, vômitos e hemorragias. (fonte)


3.      Quais são os riscos do aborto?

Os riscos do abortamento para a saúde dependem das condições em que o procedimento seja realizado. Os abortos legais, realizados em ambientes adequados e por profissionais experientes, são procedimentos seguros. Quando realizados sem a necessária assepsia, por pessoas sem treinamento e por meio de equipamentos perigosos, quase sempre levam a sérias complicações e à morte. Infelizmente, isso continua acontecendo em grande número. O risco de morte relacionada ao aborto feito em condições adequadas é menor do que o risco do parto normal. (fonte)


Sabendo como é realizado o aborto induzido e, inclusive, que seus riscos, se realizado corretamente e com auxílio médico, são menores até mesmo que os riscos naturais de um parto normal, passamos a analisar os dados referentes ao aborto no Brasil.

   4.  Dados relevantes sobre o tema

Salienta-se que, ao menos no Brasil, os dados referentes aos abortos praticados, bem como às mortes decorrentes de procedimentos clandestinos, são possivelmente subestimados, haja vista que tais pesquisas englobam dados oficiais e captados junto à rede pública de saúde, que de forma geral atende pessoas de baixa renda.
É importante considerar que muitos abortos são realizados em clínicas clandestinas particulares, e sobre tais dados se tem pouca informação. Por se tratar de crime, mostra-se difícil localizar clínicas clandestinas, bem como identificar os dados a respeito de procedimentos abortivos praticados nesses locais.

“O maior desafio para o cálculo da magnitude do aborto no Brasil é a dificuldade de acesso a dados fidedignos, além do alto número de mulheres que omitem ter induzido aborto em questionários com perguntas diretas. Em finais dos anos 1980, foi testada a técnica de resposta ao azar para estimar a indução do aborto em uma ampla amostra populacional de mulheres. Por meio da abordagem direta, encontrou-se a incidência de oito abortos a cada 1.000 mulheres, ao passo que, com a técnica de resposta ao azar, chegou-se a 42 a cada 1.000, ou seja, uma incidência cinco vezes superior.” (Aborto e Saúde Pública – 20 anos. Ministério da Saúde, 2009. Fl. 16) (grifo nosso).

O Ministério da Saúde, em 2009, elaborou uma Cartilha chamada de “Aborto e Saúde Pública – 20 anos”, de onde foi retirado o trecho acima, com uma compilação de 20 anos de estudos a respeito do tema, e salientando a importância da questão para a saúde pública no país. Apesar de advertir sobre a dificuldade de se levantar dados a respeito do aborto, pelos motivos supracitados, apresenta estudos confiáveis que embasam a tese.
De acordo com a citada Cartilha, os estudos descritivos adotam como variáveis: idade, classe social, religião, tempo gestacional, tipo de aborto, procedimento abortivo, tempo de internação e complicações de saúde. As variáveis médicas são mais regulares entre as pesquisas, o que permite uma melhor comparação e síntese, ao passo que as variáveis sociais, em particular conjugalidade, educação e
inserção no mundo do trabalho, apresentam diferentes sistemas classificatórios, o que dificulta a síntese. (fl. 15).


“Os resultados confiáveis das principais pesquisas sobre aborto no Brasil comprovam que a ilegalidade traz conseqüências negativas para a saúde das mulheres, pouco coíbe a prática e perpetua a desigualdade social. O risco imposto pela ilegalidade do aborto é majoritariamente vivido pelas mulheres pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro. O que há de sólido no debate brasileiro sobre aborto sustenta a tese de que “o aborto é uma questão de saúde pública”. Enfrentar com seriedade esse fenômeno significa entendê-lo como uma questão de cuidados em saúde e direitos humanos, e não como um ato de infração moral de mulheres levianas.”. (Aborto e Saúde Pública no Brasil – 20 anos. Ministério da Saúde, 2009, fls. 14 e 15). (grifo nosso).

4.1 Números do aborto

O aborto é quinta causa de morte materna no Brasil. Segundo uma reportagem da Agência Pública, a cada dois dias uma mulher morre vítima de aborto inseguro no Brasil. No total, são 1 milhão de abortos clandestinos e 250 mil internações por complicações por ano de que se tem ciência.
De acordo com Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 20 milhões dos abortos são realizados anualmente de forma insegura em todo o mundo, resultando na morte de 70 mil mulheres, sobretudo em países mais pobres e com legislações restritivas ao aborto. (fonte).
A OMS ainda salienta que a situação pode ser ainda mais alarmante do que se aparenta. O número de abortos pode ultrapassar 1 milhão de mulheres, segundo um estudo publicado em 2013 pelo braço do órgão na América Latina, a Organização Pan-americana de Saúde. Segundo o estudo de 2010, feito pela Universidade de Brasília (UnB), tido como referência pela OMS, e comandado pelos pesquisadores Débora Diniz e Marcelo Medeiros, uma a cada cinco mulheres com mais de 40 anos já fizeram, pelo menos, um aborto na vida. Hoje, no Brasil, existem 37 milhões de mulheres nessa faixa etária — de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dessa forma, estima-se que 7,4 milhões de brasileiras já fizeram pelo menos um aborto na vida.
De acordo com estudo da UnB, de 2010, o método mais comum é que a mulher comece o aborto em casa, com medicamentos, e vá para a rede pública fazer a curetagem.


 “O aborto hoje é um problema de saúde pública e deve ser discutido pelos três poderes. Os custos e as complicações dos abortos ilegais são enormes. Clinicamente as mulheres podem ter infecções, contrair doenças que incluem a Aids, ter hemorragias que podem levar à morte e ter perdas de órgãos internos. E isso vai parar nas mãos do Estado. As pessoas vão recorrer também ao SUS — explica Sidnei Ferreira, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj)”. (fonte)

4.2 Números de internações

Além do vultoso número de abortos realizados no Brasil de que se tem ciência, lembrando que esses dados são subestimados, outra questão preocupante é a do número de internações, muito aquém do número de abortos realizados. Ou seja, nem todas as mulheres que realizam abortos clandestinos chegam a ter algum tipo de atendimento médico, mesmo que após o procedimento.

“Um estudo recente sobre a magnitude do aborto no Brasil estimou que 1.054.242 abortos foram induzidos em 2005. A fonte de dados para esse cálculo foram as internações por abortamento registradas no Serviço de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. Ao número total de internações foi aplicado um multiplicador baseado na hipótese de que 20% das mulheres que
induzem aborto foram hospitalizadas. A grande maioria dos casos ocorreu no Nordeste e Sudeste do país, com uma estimativa de taxa anual de aborto induzido de 2,07 por 100 mulheres entre 15 e 49 anos.” (Aborto e Saúde Pública – 20 anos. Ministério da Saúde, 2009, fl. 16). (grifo nosso).

Resultados preliminares do estudo “Magnitude do abortamento induzido por faixa etária e grandes regiões”, obtido com exclusividade pelo jornal GLOBO, mostram que, somente no ano de 2013, foram 205.855 internações decorrentes de abortos no país, sendo que 154.391 por interrupção induzida. Este número, no entanto, é apenas uma ponta do iceberg, como já sabemos.
As estimativas de abortos do estudo conduzido pelos professores Mario Giani Monteiro, do Instituto de Medicina Social da Uerj, e Leila Adesse, da ONG Ações Afirmativas em Direitos e Saúde, revelam que o número de abortos induzidos é quatro ou cinco vezes maior do que o de internações. Com isso, é possível calcular que o total de abortos induzidos em 2013 variou de 685.334 a 856.668. No entanto, segundo dados do Ministério da Saúde, foram apenas 1.523 casos de abortos legais (por estupro, ameaças à saúde materna e anencefalia fetal) no período. (fonte).





4.3.          Quem aborta

Em decorrência da dificuldade em se estabelecer um levantamento fiel de dados a respeito das taxas de abortos clandestinos, também se torna difícil estabelecer com precisão o perfil da mulher que aborta. Todavia, há estudos confiáveis que sugerem esse perfil, como é citado na supramencionada Cartilha do Ministério da Saúde.
“Quem são elas
Predominantemente, mulheres entre 20 e 29 anos, em união estável, com até oito anos de estudo, trabalhadoras, católicas, com pelo menos um filho e usuárias de métodos contraceptivos, as quais abortam com misoprostol.” (Aborto e Saúde Pública – 20 anos. Ministério da Saúde, 2009. Fl. 16) (grifo nosso).

Tem-se também o estudo já mencionado no primeiro capítulo deste texto, publicado pela UnB, que relaciona o perfil das mulheres que abortam em questão de religião, escolaridade, classe social e idade.



Observa-se, portanto, que apesar das alegações a respeito do uso de métodos contraceptivos e do planejamento familiar, a realização do aborto é muito mais frequente entre mulheres em um relacionamento estável, que já possuem filhos, e que possuem religião. Ou seja, esses estudos desconstroem o perfil de que a mulher que aborta é inconsequente, jovem e solteira.
Ademais, outra questão de importante avaliação é a de que esses estudos sugerem que a mulher que aborta faz uso de métodos contraceptivos, o que também desconstrói o argumento de esses métodos deveriam bastar para o planejamento familiar.
Vale lembrar que nenhum método contraceptivo possui 100% de eficácia, estando todos sujeitos a eventuais falhas.
Cumpre, ainda, salientar, que, ao contrário do que se alega a respeito do acesso aos métodos contraceptivos, ainda que estes possuíssem eficácia total, o que ocorre na realidade é que muitas mulheres brasileiras não possuem acesso a estes. Em um país em que ainda se observa a mortalidade infantil por gripe e ascaris lumbricoides, é impossível afirmar o amplo acesso aos métodos contraceptivos.
Alguns desses métodos, como o preservativo masculino e as pílulas anticoncepcionais, ainda que distribuídos em postos de saúde, não chegam a todos os cidadãos brasileiros. Muitas mulheres sequer possuem acesso a um posto de saúde, sobretudo nas regiões mais carentes do país, como Norte e Nordeste.
Ainda assim, retoma-se a questão de que, por mais importante que seja garantir o amplo acesso aos métodos contraceptivos, à educação sexual e ao planejamento familiar, os estudos demonstram que a mulher que aborta, de modo geral, não é a mulher que não possui acesso a esses três temas.

5.     5 .Os gastos do SUS com o aborto clandestino

Outra questão de suma importância para o debate do tema são os gastos da rede pública de saúde com as consequências do aborto clandestino. Isso porque tais gastos são suportados com recursos financeiros públicos, o que faz do assunto um tema de interesse público, notoriamente.
Repórteres do Jornal GLOBO calcularam, com base em dados do estudo do estudo “Magnitude do abortamento induzido por faixa etária e grandes regiões”, já supramencionado, e com dados do DataSus, quanto os governos gastam com complicações decorrentes de interrupções da gravidez — a maioria clandestina. No ano de 2013, foram 205.855 internações decorrentes de abortos no país — sendo 51.464 espontâneos e 154.391 induzidos (ilegais e legais). Levando em consideração que o valor médio da diária de uma internação no SUS é de R$ 413 e que as hospitalizadas passaram apenas um dia sob cuidados médicos, o governo gastou R$ 63,8 milhões por conta dos abortos induzidos. Também em 2013, foram 190.282 curetagens (método de retirada de placenta ou de endométrio do corpo), a grande maioria de quem quis interromper a gravidez. Isso teria custado um total de R$ 78,2 milhões, já que, pela tabela do SUS, cada intervenção custa, em média, R$ 411. No total, chega-se a, no mínimo, R$ 142 milhões (fonte).

Em entrevista para o Portal Terra Notícias, em 2007, a diretora da Federação Internacional para o Planejamento Familiar (IPPF), Carmem Barroso, afirmou que:

"O custo do aborto inseguro para o sistema de saúde é altíssimo, enquanto que se nós possibilitássemos a essas mulheres a informação de que elas necessitam e o acesso aos serviços seguros, esses custos baixariam dramaticamente. [...] Só existe problema de mortalidade materna causada pelo aborto inseguro nos países onde as leis não permitem a realização dos abortos nas condições médicas adequadas." (fonte) (grifo nosso).


Sendo assim, conforme se denota ao observar os dados acima, a rede pública de saúde já arca com os custos oriundos dos abortos clandestinos, sendo que muitas das mulheres interrompem a gestação em suas residências, por meio de medicamentos abortivos ou até mesmo métodos mais invasivos, e depois recorrem à rede pública de saúde para os primeiros socorros em razão das consequências do procedimento realizado em casa e sem os devidos cuidados.

6.      Possíveis complicações da gestação

Outra questão que com certeza não deve ser deixada de lado no debate sobre a descriminalização ou não do aborto é a questão das possíveis complicações da gestação. É bastante acessível, mesmo pelo mídia, a articulação da ideia de que basta a mulher gerar a criança e, depois, se desejar, entregar o bebê à adoção.
Entretanto, além da questão da superlotação dos orfanatos e da quantidade monstruosa de crianças abandonadas que não encontram um lar por toda sua infância e adolescência (que será tratada em texto futuro), há também que se considerar que a gestação em si não é um processo simples, muito menos privado de riscos.
Além dos riscos iminentes de cada idade, como as gestações prematuras ou as gestações de mulheres mais velhas, há os riscos iminentes de qualquer gestação, por mais saudável que a mãe seja.
A gestação, por si só, representa um hiperfluxo renal para o corpo da mãe, que não se encontra, durante todo o processo gestacional, em seu estado “normal” de funcionamento. Juntamente com o hiperfluxo renal, é comum que se apresente edemas, retenções de líquido, e até desconfortos oriundos do crescimento da barriga e da consequente compressão que o útero faz nos pulmões e em outros órgãos maternos.
O que pode parecer mero desconforto, entretanto, torna-se um verdadeiro problema quando a mãe possui qualquer doença respiratória, como bronquite, rinite, asma, dentre outras, haja vista que é comum a gestante sentir falta de ar no fim da gestação, o que pode ser agravado por tais doenças.
Por exemplo, uma gestante asmática enquadra-se na “regra do 1/3”, isto é: durante a gestação a asma tem 1/3 de chances regredir, 1/3 de manter-se estável e 1/3 de piorar.

Complicações na gravidez causam 33 mortes por hora no mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 2013, houve 289 000 óbitos por esse motivo. Atualmente, a taxa de mortalidade materna no mundo é de 210 mortes por 100 000 nascimentos.
Ainda de acordo com a OMS, um quarto da mortalidade materna do ano passado foi causado por doenças que já acometiam as mulheres antes da gestação, como diabetes, malária, obesidade e infecção pelo vírus da aids. Outras causas incluem hemorragia grave da gravidez ou no parto (27%); pressão alta causada pela gestação (14%); infecções (11%); e complicações do aborto (9%). (fonte: “Complicação na gravidez causa 33 mortes por hora no mundo")(grifo nosso).
Ora, como se pode notar, gerar uma criança não é um procedimento livre de riscos, e de fato apresenta muitos riscos, sobretudo às mulheres de classes mais carentes e com menos acesso a um acompanhamento pré natal de qualidade.
Ao contrário também do que se pensa, não somente os primeiros meses podem representar algum risco à saúde da mãe, como também o final da gestação. Uma dessas complicações que podem aparecer na “reta final” é a placenta prévia, que, em geral, só é diagnosticada nas últimas 12 semanas da gravidez e acomete uma em cada 200 gestações A placenta prévia se desenvolve na parte baixa do útero e pode dificultar a passagem do feto durante o trabalho de parto. “Ela também pode causar sangramentos e complicações no parto, seja normal ou cesárea”, explica o ginecologista Ricardo Nadais, do Hospital São Luiz, de São Paulo. (fonte: Cecília Dionizio, “Saiba quais são os riscos mais comuns dagestação).

Outra das grandes complicações gestacionais muito comum no Brasil é a pré-eclâmpsia, sendo esta a hipertensão arterial específica da gravidez, e que em geral instala-se a partir da 20ª semana, de acordo com o Dr Drauzio Varella. 
A pré-eclâmpsia pode evoluir para a eclâmpsia, uma forma grave da doença e que representa risco à vida da mãe e do feto. São sintomas da pré-eclâmpsia (que também pode ser assintomática): hipertensão arterial, edema (inchaço), principalmente nos membros inferiores, que pode surgir antes da elevação da pressão arterial, aumento exagerado do peso corpóreo e


proteinúria, isto é, perda de proteína pela urina.
São sintomas característicos da eclâmpsia: convulsão (às vezes precedida por dor de cabeça, de estômago e perturbações visuais), sangramento vaginal e coma. (fonte: Dr Drauzio Varella,Pré-eclâmpsia e Eclâmpsia).
Em alguns casos mais extremos, tanto a pré-eclâmpsia quanto a eclâmpsia podem gerar consequências crônicas para a gestante, que necessitará acompanhamento médico sempre, mesmo anos após a gestação.
Na ocasião do parto também podem ocorrer complicação, como é o caso da infecção puerperal, estando esta dentre as principais causas de morte materna no Brasil. A infecção puerperal é aquela que afeta o aparelho genital feminino no período pós-parto. Estima-se que entre 1% a 7,2% das gestantes apresentam esta afecção nesse período, sendo, no Brasil, uma das principais causas de morte materna.
Distintas complicações podem ocorrer em casos de infecção após o parto, como: Peritonite; Tromboflebite pélvica; Embolia pulmonar; Endotoxemia, que pode levar a um choque séptico; Lesão renal grave; e Morte.  (fonte). (grifo nosso).

 Além das já citadas, existem diversas outras complicações possíveis durante a gestação, no momento do parto e após. Ou seja, diferente do que se pensa, a gestação é um fenômeno repleto de riscos para a saúde da mulher, sobretudo para as mulheres que não possuem acesso a acompanhamento pré natal de qualidade, o que obviamente acaba por subjugar mulheres mais carentes a tais situações.
Entretanto, ainda que a mulher realize o acompanhamento pré natal corretamente, e esteja em perfeito estado de saúde, não está totalmente privada dos riscos da gestação e do parto, sendo estes praticamente iminentes à gravidez.

7.      Cartilha “Aborto e Saúde Pública no Brasil – 20 anos”, de 2009

Ministério da Saúde, com base em 20 anos de estudo sobre o tema "aborto" no país.
Segue a Cartilha na íntegra para consultas e maiores informações acerca deste debate (clique no link para baixar o arquivo).



Autoria do texto: Dra Camila Arantes Sardinha Rodstein; Colaboradores: Dr Pedro Ivo Mendes Rodstein, Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).




Obs: Peço desculpas pela formatação, mas o blogger está desconfigurando a formatação original sempre que o texto é atualizado.















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1 comentários

  1. Boa tarde!

    Li este artigo, inclusive a Parte 1 do mesmo, e me interessei muito! Gostaria de ler a Parte 3. Onde a encontro?

    Desde já muito obrigada e parabéns pelos artigos!

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